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CIDADE DOS ESPELHOS, A
978-989-616-392-3
"O recurso à imagem para contar histórias é uma técnica antiga. Está entre as primeiras formas de representação expressiva adoptadas pelo homem. A banda desenhada é uma extraordinária invenção de linguagem que privilegia este recurso.
Beneficiando de excelentes publicações periódicas durante quase todo o século XX, a banda desenhada portuguesa soube afirmar uma identidade própria de não integração em qualquer dos grandes padrões mundiais da BD que mais a influenciaram (em especial os da BD norte-americana, franco-belga). Na sua base, a banda desenhada portuguesa é uma BD de autores. Nem de séries, nem de personagens, nem de linhas editoriais.
Em 2002, por altura do Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora, questionava-se o que seria a BD portuguesa no século XXI, e no novo milénio. A propósito dos autores, João Miguel Lameiras escrevia no catálogo do Festival: "Outros há ainda que, qual um cometa, brilham fugaz e intensamente para voltarem a cair no esquecimento durante mais uns anos. É o caso de Victor Mesquita, em grande destaque na edição do Festival de 1996, com a capa e a principal história no álbum colectivo O SÃndrome de Babel, (obra editada pelo Festival que, face ao desolador panorama editorial desse ano, teve que se substituir à s editoras) mas que continua sem cumprir o tal regresso triunfal periodicamente anunciado."
Estas palavras têm muito que se lhe diga. Para além de evidenciarem a nem sempre fácil relação entre o autor e a crÃtica, levam-nos a perguntar qual a razão de se falar ainda em estar à espera do regresso de Mesquita, e, sobretudo, de se falar deste autor após sete anos sem publicação relevante?
A resposta está, naturalmente no brilho - fugaz mas intenso.
É que, sete anos volvidos sobre aqueles sete anos, em 2009, ainda falta aquele brilho à BD portuguesa.
A banda desenhada portuguesa, a tal BD de autores, afirmou-se em difÃceis caminhos de especialização - como os da BD histórica ou documental -, ou refugiou-se nos pequenos caminhos da BD alternativa. Mas não há ficção para o grande público.
E no entanto, todos estão à sua espera. Os leitores, os editores, os autores, os livreiros, todos esperam o cometa. É que já ninguém tem dúvidas nem quanto ao carácter intenso do brilho, nem quanto ao carácter triunfal do regresso. O passo seguinte será fazer com que deixe de ser fugaz.
Victor Mesquita, como se sabe, não é o cometa: é o filho do Cosmos (piada fácil, esta). E o leitor não fica a perder com a humanização do corpo brilhante, já que a dimensão humana é uma caracterÃstica essencial neste autor. Mesquita envolve e projecta-nos a todos neste acto revolucionário que é A Cidade dos Espelhos (o convite para aparecermos como personagens de maior ou menor relevo, até aparecia expresso na reedição de O Filho do Cosmos).
E a revolução está, efectivamente, ao seu alcance.
Poderia pensar-se que uma responsabilidade destas inibiria um autor. Felizmente para todos, Mesquita não sabe trabalhar outro tipo de desafios. Tal como escrevi no Catálogo de 2008 do Festival (a propósito do merecido Troféu Honra que distinguiu Mesquita), "é preciso uma atitude de rebelião que desperte uma dimensão humana, algo que é verdadeiramente difÃcil, e que exige um sacrifÃcio imenso. (...) Esse é o acto heróico na BD de Mesquita: o desafio não conformista, e profundamente humano, por vezes enfrentando um inimigo muito mais que desigual." Afinal, para necessidades mais pequenas de iluminação, o homem - aquele ser que soube inventar a banda desenhada - já inventou a lâmpada eléctrica.
Cumprido que está o tal "regresso triunfal periodicamente anunciado", a parte de não deixar caÃr no esquecimento talvez não seja difÃcil depois de ler este livro."
PEDRO MOTA
Amadora, 2010
Prefácio à obra ETERNUS 9 - A Cidade dos Espelhos de Victor Mesquita