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DEIXE FICAR A FLOR
978-989-51-1421-4
Isso mesmo! Vai fazer o trajecto ribeirinho.
Usufruir daquele magnÃfico espectáculo da Natureza é a única chance que tem de se libertar deste peso que lhe magoa o peito.
Sempre junto ao rio, a espreitar a volúpia com que do leito, apaixonado, ele acaricia as margens.
A inventar-se gaivota irmã das que na Ãnsua ou no Cabedelo se agrupam a trocar cumplicidades.
A testemunhar aquele namoro que do Jardim do Passeio Alegre as palmeiras, altas e esguias, fazem ao rio.
A apreciar a forma como, só para ele, elas dançam ao som da música do vento, prenhes de sensualidade.
A deixar que os olhos ceguem de emoção ao olharem o Sol a derramar-se, dono e senhor, pelo azul do céu, numa desavergonhada orgia de cores.
Toda a noite com medo de adormecer!
Toda a noite de vigia para que não voltassem as imagens daquelas noites negras e elas, ali, a desfilarem inteiras. Sem piedade.
A Ema tão frágil, tão pequenina.
Os olhos, esbugalhados pelo medo, a gritarem por socorro.
E aquele cheiro acre. Pestilento. Aquele cheiro feito de suor, tabaco e aguardente.
Aquelas garras do medo cravadas na garganta!
A dor daquela impotência!
Sobre a cómoda, recortados na noite sempre negra, sempre cerrada, os santos fosforescentes de olhar piedoso. A olharem. Indiferentes.
Na parede, sobre a cama, Cristo crucificado. A olhar. Indiferente.
Na cadeira de balanço, ali, ao canto do quarto, os olhos iluminados, atentos, assustadores, do gato. Do gato dos seus avós!
Tantas testemunhas! Mudas.
Cenário de terror com que se rasga a infância.