DIARIO DE UM SONHO

Acompanhava um enterro. O esquife dourado na medida das passadas transmutava-se. Ia contornando as cores, às vezes surgia um vermelho sanguíneo, outras um azul católico. O arco-íris dançava formando quebra-cabeças à frente. Seguia as cores como quem persegue os potes de ilusões. Vaga-lumes trapaceando estrelas. As pessoas ao lado acompanhavam sob a reverência natural que o momento exigia. Quietas, semi-taciturnas, nem todas tristes. Condoídas, todas. A maioria, consigo mesma penalizada imaginando o dia em que participaria daquele estúpido ritual, seguindo à frente daquela mesma turba. O mistério da dor redundado na marcha do eterno destino. Louva-deus devorando amor em lua cheia. As mulheres em pernas esculturadas de desejos. Por sob os véus destilados que as cobriam sentiam os toques sutis dos cabelos derramados. A morena de cabelos negros aconchegados na dor, lágrima escorrida descia o rosto solene. As pernas alinhadas de meias pretas se destacavam sob o silêncio. Alamedas mudas das bocas-de-leão. Pernas e contornos, desejos que seguiam o desenho da forma que me ardia. Os joelhos redondos carnudos imaginando as coxas pedintes. Quentes. Juntas uma contra a outra construindo a silhueta mística. O vestido preto sob a dor do momento não conseguia esconder a presença do meu divino. A eterna mulher de desejos, meu oráculo, suas pernas, meu destino. Rosas encarnadas imitando carne bailarina.