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FORNECEDORES DA CASA REAL 1821 1910, OS
978-989-639-123-2
Toda a gente fala da Revolução Industrial, muitos da Revolução AgrÃcola, poucos da Revolução Comercial. De entre os sectores da actividade económica que foram estudados, o comércio tem sido o parente pobre, o que é pena, porque também ele evoluiu: basta pensar na emergência dos centros comerciais. Mas não é dos tempos modernos que Lourenço Correia de Matos nos fala nesta tese de mestrado, apresentada e brilhantemente defendida na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mas do que acontecia no século XIX, em especial da forma como as lojas procuravam obter prestÃgio.
Não quero entrar na discussão sociológica relativa à s representações simbólicas, nem na polémica sobre a questão do status, mas ater-me à quilo que Lourenço Correia de Matos estudou, ou seja, à forma como os estabelecimentos, cuja lista fornece em anexo, obtinham patrocÃnio, através da autorização do uso do termo «fornecedor da Casa Real». Segundo os requerimentos apresentados à Mordomia-mor, entidade a quem competia a concessão, os pioneiros datam de 1824: foram eles Jacques Plane, cabeleireiro da Real FamÃlia, e Maria Ana Burnay, modista da Infanta D. Maria da Assunção. Procurando justificar a pretensão, alguns dos requerentes mencionavam os serviços prestados à Rainha ou à FamÃlia Real. Outros, em menor número, referiam o facto de o comerciante em causa ter apoiado o lado liberal durante as guerras civis: António José Salgado pedia a continuidade do tÃtulo de alfaiate da Casa Real, juntando um atestado passado por um coronel, em 1845, sobre o desempenho militar de seu pai, onde se louvava a adesão à Causa, «a ponto que, tendo uma das melhores lojas de alfaiate, de boa vontade a conservou fechada em todo esse tempo, perdendo seus interesses». Às justificações, polÃticas ou sociais, acrescentavam-se outras, de carácter pessoal. Muitos requerimentos vinham acompanhados de «cunhas». Como é óbvio, quando os pedidos eram feitos durante as campanhas eleitorais, era mais fácil obter a distinção, mas, como Lourenço Correia de Matos demonstra, o privilégio era acessÃvel. Ao contrário do que sucedia noutros paÃses, a mercê era paga (na primeira metade de Oitocentos, o usufrutuário tinha de desembolsar 12.000$00, uma quantia que foi subindo com os anos), o que levaria alguns a pedir para a pagar em prestações, havendo até casos de desistência.
O universo dos contemplados com a distinção abarca um vasto mundo de lojistas, fornecedores e artÃfices, sendo o ramo do vestuário o mais representado. Em 1887, da direcção da Associação Comercial de Lisboa – que integrava os grandes negociantes da capital – nenhum membro pedira para usar o tÃtulo. Aliás, de entre os cerca de trezentos sócios, apenas cinco o tinham feito: um relojoeiro, um dourador, um alfaiate, o dono de uma papelaria e o proprietário de uma fábrica de bolachas. No Porto, apenas um membro da direcção da respectiva Associação Comercial – o dono de um estabelecimento de modas – o exibia.
Eram as pequenas lojas que sentiam necessidade de ostentar, nas portadas, no papel de carta e nas embalagens, o emblema real. Social e economicamente inseguras, a sanção dos monarcas dava-lhes uma vantagem competitiva. Outro aspecto interessante – e que, de futuro, conviria aprofundar – é a proeminência dos estrangeiros. Basta olhar os apelidos referidos no apêndice – CecÃlia Gerard, modista, António Blandier, fabricante de sedas, lãs e algodões, João Diogo Chapuis, luveiro, Francisco Andrilliat, cabeleireiro, Vicente Russell, florista, Domigos Binelli, fornecedor de pão, José Tedeschi, farmacêutico, José Eschrich, fornecedor de vinhos, Ambrósio Gardé, armador, Mme Ferin, encadernadora, Paulo Plantier, relojoeiro, Pedro Hipólito Pinac, cirurgião dentista, etc. – para nos apercebermos da sua importância. Algumas das firmas estudadas por Lourenço Correia de Matos, como a Jerónimo Martins ou a Companhia União Fabril, viriam a crescer, mas não eram ainda as grandes empresas em que se transformariam. Entre 1821 e 1910, os fornecedores da Casa Real eram os pequenos lojistas e os fornecedores de serviços cuja clientela era formada pela elite de Lisboa e do Porto, a qual desejava manter um estilo de vida parecido com o das classes altas parisienses.