VIVESTE

eu estava calada a olhar a tua ausência. a ver-te passar. tudo passa, afinal. e tu passaste. e eu fiquei a ver-te com o sangue no olhar. o teu corpo, a madeira, o gelo. sem movimento. caíste. até ao mais fundo. e eu fiquei calada a olhar a tua ausência. presença, ainda. mas já ausência. severa ausência. maior ausência. ainda agora.
cinco, seis anos volvidos e tento raspar-te da cruel morte que tiveste. uma eternidade depois. sento-me na borda desta cama cruel que te viu e que me viu. que a viu. que ainda a vê. olho em volta e tento inspirar a tua ausência. não estás. no outro quarto, a cama que foi tua e não é tua. na sala, os livros que foram teus e não são teus. lá fora, o perfume que foi teu e não é teu. na borda da cama cruel, vejo os contornos da tua vida em cada sonho, em cada traço. nesta terra cruel. nesta vida cruel só porque é vida. a nossa rua enegrecida. o nosso sol escurecido. as nossas paisagens gastas e sem sabor. a vida que foi vida e já não é. a mudança mais integral do mundo. foi assim.
disse.
nunca esquecerei.